Por melhores que venham a ser o transporte público e a engenharia de tráfego em São Paulo, jamais teremos capacidade de atender satisfatoriamente à demanda excessiva causada pelas viagens forçadas decorrentes da ocupação desorganizada, desigual e injusta do território da cidade e da Região Metropolitana.
As manchas azuis mostram os locais onde a população diminuiu – as cores quentes, onde aumentou. O maior crescimento se deu nos extremos sul, leste e noroeste
Sucessivos governos municipais e estaduais são responsáveis, por ação ou omissão, pelo espraiamento da mancha urbana. Promoveram oferta de moradia em lugares distantes, sem a necessária infra-estrutura, fazendo com que existam até hoje bairros-dormitório (ou cidades-dormitório); fizeram vistas grossas à grilagem e à ocupação predadora, culposa ou dolosa.
As extremidades continuam crescendo, desordenada e insustentavelmente, enquanto o centro vem perdendo população. Na região central, há 100% de abastecimento de água, esgoto tratado, coleta de lixo, maior oferta de serviços públicos e privados e oportunidades de trabalho. Há até equipamentos públicos com capacidade ociosa, como escolas e creches com vagas não preenchidas.
Grande parte da população mora em bairros periféricos e trabalha na região central, com os conseqüentes deslocamentos diários ao centro da cidade para trabalhar e de volta à periferia para dormir – pouco e mal – deixando o centro semideserto à noite.
Os pontos no mapa mostram a quantidade de empregos em cada um dos três setores – Indústria, Comércio e Serviços. Abundantes na região central, escassos na periferia
Em Cidade Tiradentes, há 45 moradores para cada posto de trabalho
No distrito Sé, há 28 postos de trabalho para cada morador
É necessário investir no desenvolvimento da periferia – identificar vocações e oportunidades, incentivando a atividade econômica de acordo com o potencial e necessidade do local, e investir em infra-estrutura e serviços públicos.
Ao mesmo tempo, deve-se garantir a oferta de moradia na região central, especialmente para a população de baixa renda. Os instrumentos de que o município dispõe para isso estão descritos abaixo.
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Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Capítulo II – Da Política Urbana – art. 182 e 183), não havia marco legal que estabelecesse de forma clara o papel e instrumentos do município para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao urbanismo – até o advento do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01)
Em seu Art. 2º, estabelece:
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis (…)
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade (…)
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município (…) de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
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A Prefeitura trabalhará, portanto, para manter e estabelecer regras para o uso do solo baseadas no interesse maior da coletividade, seguindo as diretrizes do Plano Diretor quanto às áreas onde se pretende incentivar, coibir ou qualificar a ocupação. Devemos elaborar estudos sobre a capacidade da infra-estrutura instalada, as condições do meio físico, as necessidades de preservação ambiental e de patrimônio histórico e as características de uso e ocupação existentes.
O princípio que nos norteia é: as áreas mais centrais e providas de infra-estrutura devem ser aquelas onde a densidade demográfica deve ser a mais alta. Trata-se de algo óbvio, há muito constatado e recomendado – a diferença é que tomamos isso como ponto de partida, o eixo em torno do qual se organizam todas as nossas outras ações. Uma cidade menos desequilibrada atende ao interesse de todos os que nela vivem – para confirmar isso, basta verificar os efeitos nocivos sobre o trânsito causados por obras realizadas sem o devido estudo de impacto no sistema viário, o aumento de temperatura em áreas inadequadamente impermeabilizadas e assim por diante.
Plano Diretor
Os Princípios, Objetivos Gerais e Diretrizes do Plano Diretor Estratégico refletem perfeitamente nossa visão da cidade e do papel do poder público – poderíamos apresentar o próprio texto da lei como programa de governo. Vejamos, por exemplo, os artigos 7º a 12º:
Art. 7º – Este Plano Diretor Estratégico rege-se pelos seguintes princípios:
I – justiça social e redução das desigualdades sociais e regionais;
II – inclusão social, compreendida como garantia de acesso a bens, serviços e políticas sociais a todos os munícipes;
III – direito à Cidade para todos, compreendendo o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer;
IV – respeito às funções sociais da Cidade e à função social da propriedade;
V – transferência para a coletividade de parte da valorização imobiliária inerente à urbanização;
VI – direito universal à moradia digna;
VII – universalização da mobilidade e acessibilidade;
VIII – prioridade ao transporte coletivo público;
IX – preservação e recuperação do ambiente natural;
X – fortalecimento do setor público, recuperação e valorização das funções de planejamento, articulação e controle;
XI – descentralização da administração pública;
XII – participação da população nos processos de decisão, planejamento e gestão.
Art. 8º – São objetivos gerais decorrentes dos princípios elencados:
(…)
II – elevar a qualidade de vida da população, particularmente no que se refere à saúde, à educação, à cultura, às condições habitacionais, à infra-estrutura e aos serviços públicos, de forma a promover a inclusão social, reduzindo as desigualdades que atingem diferentes camadas da população e regiões da Cidade;
(…)
IV – elevar a qualidade do ambiente urbano, por meio da preservação dos recursos naturais e da proteção do patrimônio histórico, artístico, cultural, urbanístico, arqueológico e paisagístico;
V – garantir a todos os habitantes da Cidade acesso a condições seguras de qualidade do ar, da água e de alimentos, (…), de circulação e habitação em áreas livres de resíduos, de poluição visual e sonora, de uso dos espaços abertos e verdes;
VI – garantir a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes das obras e serviços de infra-estrutura urbana;
VII – aumentar a eficiência econômica da Cidade (…) inclusive por meio do aperfeiçoamento administrativo do setor público;
VIII – promover e tornar mais eficientes (…) os investimentos dos setores público e privado;
IX – racionalizar o uso da infra-estrutura instalada, em particular a do sistema viário e de transportes, evitando sua sobrecarga ou ociosidade;
X – democratizar o acesso à terra e à habitação, estimulando os mercados acessíveis às faixas de baixa renda;
XI – prevenir distorções e abusos no desfrute econômico da propriedade urbana e coibir o uso especulativo da terra como reserva de valor, de modo a assegurar o cumprimento da função social da propriedade;
XII – aumentar a eficácia da ação governamental, promovendo a integração e a cooperação com os governos federal, estadual e com os municípios da região metropolitana (…)
XIII – permitir a participação da iniciativa privada em ações relativas ao processo de urbanização, mediante o uso de instrumentos urbanísticos diversificados, quando for de interesse público e compatível com a observação das funções sociais da Cidade;
XIV – descentralizar a gestão e o planejamento públicos, conforme previsto na Lei Orgânica, mediante a criação de Subprefeituras e instâncias de participação local e elaboração de Planos Regionais e Planos de Bairro;
(…)
Art. 9º – É objetivo da Política Urbana ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da Cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território, de forma a assegurar o bem-estar equânime de seus habitantes mediante:
I – a recuperação, para a coletividade, da valorização imobiliária resultante da ação do Poder Público;
(…)
III – a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda;
IV – a redução dos deslocamentos entre a habitação e o trabalho, o abastecimento, a educação e o lazer;
V – a incorporação da iniciativa privada no financiamento dos custos de urbanização e da ampliação e transformação dos espaços públicos da Cidade, quando for de interesse público e subordinado às funções sociais da Cidade;
VI – a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana.
(…)
Art. 10 – A Política Urbana obedecerá às seguintes diretrizes:
(…)
V – o planejamento do desenvolvimento da Cidade, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
VI – a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população;
VII – a ordenação e controle do uso do solo, de forma a combater e evitar:
a) a proximidade ou conflitos entre usos incompatíveis ou inconvenientes;
b) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
c) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
d) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulta na sua subutilização ou não-utilização;
(…)
X – a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; (…)
XII – a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XIII – a revisão e simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a adequar distorções entre leis e a realidade urbana, assim como facilitar sua compreensão pela população;
XIV – o retorno para a coletividade da valorização de imóveis decorrente de legislação de uso e ocupação do solo.
CAPÍTULO IV
DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA
Art. 12 – A função social da propriedade urbana, elemento constitutivo do direito de propriedade, deverá subordinar-se às exigências fundamentais de ordenação da Cidade expressas neste Plano e no artigo 151 da Lei Orgânica do Município, compreendendo:
I – a distribuição de usos e intensidades de ocupação do solo de forma equilibrada em relação à infra-estrutura disponível, aos transportes e ao meio ambiente, de modo a evitar ociosidade e sobrecarga dos investimentos coletivos;
II – a intensificação da ocupação do solo condicionada à ampliação da capacidade de infra-estrutura;
III – a adequação das condições de ocupação do sítio às características do meio físico, para impedir a deterioração e degeneração de áreas do Município;
IV – a melhoria da paisagem urbana, a preservação dos sítios históricos, dos recursos naturais e, em especial, dos mananciais de abastecimento de água do Município;
V – a recuperação de áreas degradadas ou deterioradas visando à melhoria do meio ambiente e das condições de habitabilidade;
VI – o acesso à moradia digna, com a ampliação da oferta de habitação para as faixas de renda média e baixa;
VII – a descentralização das fontes de emprego e o adensamento populacional das regiões com alto índice de oferta de trabalho;
VIII – a regulamentação do parcelamento, uso e ocupação do solo de modo a incentivar a ação dos agentes promotores de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação do Mercado Popular (HMP), definidos nos incisos XIII, XIV e XXIV do artigo 146 desta lei;
IX – a promoção e o desenvolvimento de um sistema de transporte coletivo não-poluente e o desestímulo do uso do transporte individual;
X – a promoção de sistema de circulação e rede de transporte que assegure acessibilidade satisfatória a todas as regiões da Cidade.
Para conhecer nossas propostas para colocar em curso esse movimento de reconfiguração do território, veja nossos posts sobre Habitação e Desenvolvimento Econômico